A ordem cronológica dos episódios de Black Mirror

Carolina Gancev
10 min readMay 14, 2021

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Parece que não, mas a série tem um storytelling interessante

Black Mirror é uma série inglesa lançada em 2011. Os episódios, em um primeiro momento, parecem não seguir uma ordem lógica e a impressão que temos ao assistir é que são várias histórias soltas sobre um futuro meio esquisito.

Coisas ruins acontecem nos episódios. A maioria delas, relacionada diretamente a novas tecnologias que a série nos apresenta.

Isso sempre me intrigou. Principalmente depois que descobri que os episódios poderiam sim ter uma ordem cronológica. Nesse outro post aqui, conto um pouco sobre a minha experiência de assistir e reassistir aos episódios em uma ordem que a internet sugeria e também faço uma reflexão de onde essa evolução pode nos levar.

Depois dessa experiência, criei a ordem cronológica abaixo, baseando-me principalmente na crescente complexidade das tecnologias apresentada na série.

Se você ainda não assistiu ou não gosta de spoilers, recomendo parar a leitura neste momento — mas lembre-se de voltar quando assistir tudo!

Onde tudo começou

Anos 80: os primeiros computadores pessoais estão sendo criados, as pessoas estão começando a ficar cada vez mais curiosas e envolvidas com essa nova tecnologia.

1. Bandersnacht (filme): um jovem desenvolvedor está trabalhando em um novo jogo de uma das empresas de software mais famosas da época. É a oportunidade da sua carreira. Mas não é só isso. O filme da série foi montado em um esquema de jogo mesmo, em que você consegue fazer escolhas pelos personagens e direcionar o rumo da história. É de uma metalinguagem absurda e de se tirar o chapéu para os criadores.

Os primeiros impactos

As pessoas estão aficcionadas com a internet, com o celular e com as redes sociais. Um lado sombrio das relações humanas começa a se revelar.

2. Shut up and dance (T3E3): algumas pessoas são chantageadas por mensagens SMS a fazer coisas moralmente duvidosas, pois alguém conseguiu descobrir algum segredo delas hackeando computadores pessoais e celulares.

3. National anthem (T1E1): o famoso episódio do porco. Nele, uma menina da família real é sequestrada e a condição para que ela seja liberada é o primeiro ministro fazer sexo com um porco ao vivo em rede nacional. Pois é. Claro que isso gera uma comoção nas redes sociais em questão de horas, fazendo o primeiro ministro aderir à condição do sequestrador por pura pressão da população. No fim, descobrimos que a menina foi solta minutos antes de ele cometer o ato, mas ninguém reparou, pois as ruas estavam vazias. Todo mundo estava assistindo à transmissão, como acontece aqui no Brasil em uma final de copa do mundo.

4. Waldo moment (T2E3): Waldo é um personagem fictício, azul, caricato e de moral bem duvidosa, que ganha fama nas redes sociais. Ele decide então se candidatar a presidente e é eleito (qualquer semelhança com o cenário político atual do Brasil é mera coincidência, risos.)

5. Smithereens (T5E2): o vício nas redes sociais e o uso do celular enquanto estamos dirigindo é um combo mortal que causa um acidente de carro matando uma pessoa. Isso é o ponto de partida de todos os acontecimentos do episódio. Smithereens é o nome da rede social viciante, ela é como se fosse o Twitter, Facebook, Instagram e Spotify tudo junto.

6. White bear (T2E2): temos aqui uma nova forma de condenação por crimes horríveis. Apaga-se temporariamente a memória de uma condenada por homicídio e a colocam para viver uma realidade esquisita, onde muita gente a persegue com um celular na mão. O que acontece, na verdade, é que ela foi colocada em um parque de diversões, onde as pessoas vão para vê-la de perto. Sim, as pessoas vão lá. E filmam tudo.

7. 15 million merits (T1E2): basicamente pessoas vivendo em uma realidade paralela e tendo que pedalar para gerar energia. No final do episódio, podemos ver uma imagem do Waldo, o que nos diz que provavelmente isso acontece depois de ele ser eleito presidente. Alguns acreditam que Waldo implantou uma ditadura e que obrigou as pessoas a viver dessa forma pra gerar energia durante o seu governo (se você é brasileiro como eu, tá rindo de nervoso agora).
(Esse episódio é o único que não se encaixa em quase nenhum lugar da cronologia, pois não fica claro o contexto maior em que ele está inserido. Coloquei aqui nessa posição, pois as tecnologias que vemos nele são simples, assim como os outros nesse mesmo bloco.)

O começo do fim

As tecnologias começam a ficar mais sofisticadas e a se engraçar com a mente humana.

8. Playtest (T3E2): um turista americano se inscreve em um teste de um novo jogo de vídeo game em realidade virtual. O jogo é de terror e foi programado para se conectar com o inconsciente humano, pegar seu maior medo e usá-lo no jogo. O turista morre do próprio medo durante o teste.

9. Rachel, Jack and Ashley too (T5E3): é o episódio da Miley Cirus. Ela é uma cantora famosa que cria um robô com sua personalidade e ajuda uma menina a superar a morte de sua mãe. É bonitinho até.

10. Hated in the nation (T3E6): pra mim, um dos episódios mais importantes da série. Abelhas foram extintas e para que sua função continuasse a ser exercida, criaram-se abelhas-drone, robôs do tamanho de insetos que polinizam plantações. Alguém rackeia esse sistema e o integra com o Twitter: se há um desejo pela morte de alguém, é só twittar #kill+o nome da pessoa. As abelhas-drone hackeadas se encarregam então de matar quem estiver em primeiro lugar no número de menções. O grande dilema que o episódio nos traz é: quem é o responsável por essas mortes? O Twitter? O hacker? Os donos da tecnologia das abelhas-drone? As pessoas que twitaram a hashtag? O episódio também nos faz refletir sobre as coisas que postamos no automático. Quantas vezes você não usou uma hashtag no Twitter só pra aderir ao hype? Já parou pra pensar se esse seu post não contribuiu com a morte de alguém? Não to falando de abelhas-drone aqui, porque elas nem existem ainda. Depressão por ter sido cancelado na internet pode matar igual.

11. Be right back (T2E1): outro episódio envolvendo um acidente de carro decorrente do uso do celular e das redes sociais enquanto se dirige. O motorista morre nesse acidente e sua namorada, que está viva e grávida, decide aderir à uma novidade do mercado para lidar com a dor da perda. Ela compra um android do namorado, que é criado não só com a mesma altura e fisionomia dele, mas também com a sua personalidade, desenhada à partir de seus posts nas redes sociais. No fim ele vai parar no sótão da casa, como todos os outros objetos velhos que ficam sem uso.

12. Striking vipers (T5E1): o vídeo game em realidade virtual que estava sendo testado anteriormente chegou ao mercado, mas nesse caso ele não é de terror e sim uma cópia do nosso conhecido Mortal Kombat. As pessoas entram no jogo como elas mesmas, mas podem escolher uma skin para o personagem. Nesse episódio, dois amigos começam a jogar juntos, um deles com um personagem homem e o outro com uma personagem mulher. Durante uma das lutas eles acabam transando dentro do jogo (!!!). Na vida real, se consideram heterossexuais, mas no vídeo game sentem atração um pelo outro. Mas se os personagens no jogo são um homem e uma mulher, será que eles podem ser homossexuais?

Não tem mais volta

As tecnologias, mais sofisticadas ainda, já fazem parte da rotina de todos e já existem regras e leis epecíficas para elas. Se conectam facilmente com a mente humana. Os episódios à partir daqui trazem à tona o pior do ser humano.

13. USS callister (T4E1): o vídeo game com realidade virtual ataca novamente. Nesse episódio, temos um engenheiro de software um tanto quanto sádico que pega o DNA das pessoas, sem autorização delas, e as recria como personagens dentro do seu próprio jogo, no qual ele também é um personagem. Acontece que, quando consciências são transferidas para a nuvem, elas continuam conscientes de tudo o que está acontecendo. Os personagens do jogo se organizam em um motim e conseguem fazer com que seu criador fique preso nele. Para sempre

14. Crocodile (T4E3): vans autônomas entregam pizza. Uma dessas vans atropela uma pessoa. Para que se possa avaliar de quem de fato é a culpa nesse acidente, o seguro é acionado. A seguradora, então, entrevista as possíveis testemunhas. Nessas entrevistas, utiliza-se um chip que se conecta ao cérebro das pessoas, permitindo acessar suas memórias recentes. Uma das testemunhas matou um cara na noite do acidente. Ela faz de tudo para que a seguradora não revele o que descobriu: mata a mulher da seguradora e seu marido. O filho deles, ainda bebê, está no berço e vê tudo acontecer. As memórias dele também poderiam ser acessadas com o tal do chip durante a investigação das mortes. Então o bebê também é assassinado.

15. Arkangel (T4E2): chips podem ser implantados nas cabeças das crianças para que seus pais possam acompanhá-las por meio de um tablet. Além de rastrear sua localização, o chip também permite controlar o que a criança vê, criando um borrão em cenas muito fortes ou inapropriadas. Os pais também conseguem assistir o que a criança tá vendo em tempo real. Depois que elas crescem e começam a virar adolescentes, o chip parece não fazer mais sentido. Mas, a tecnologia foi descontinuada e não dá pra tirar o chip da cabeça da menina, que agora é adolescente. Sem querer, ela descobre o tablet e percebe que sua mãe ainda a espionava. Nesse momento, ela mata a mãe à pauladas com o próprio tablet. Fun fact: esse episódio foi dirigido pela Jodie Foster.

Realidades imersivas

As tecnologias permitem coisas novas e diferentes: novos jeitos de se relacionar, novas estruturas sociais, novas maneiras de encarar a vida após a morte.

Estes episódios podem acontecer paralelamente aos outros. Como possuem contextos muito diferentes, é difícil encaixá-los em uma ordem específica.

16. Nosedive (T3E1): a vida gira em volta de avaliar e ser avaliado. Há uma rede social intrínseca à existência humana e nela todos se avaliam com estrelas, que podem variar de 1 a 5. Seu status social é determinado por quantas estrelas você tem. Quer alugar um apartamento em um condomínio de luxo? Precisa ter no mínimo 4 estrelas. As pessoas com menos de 3 estrelas são menosprezadas e marginalizadas. Da quantidade de likes no Instagram pra cá, é um pulo, né? kkkcrying.

17. San junipero (T3E4): já pensou se você pudesse fazer upload da sua consciência em uma nuvem e viver eternamente? Seu corpo aqui na terra não existiria mais, mas você continuaria existindo em um outro plano, com as pessoas que ama e em um cenário paradisíaco.

18. Hang the dj (T4E4): o tinder pós-moderno. Hang the dj é um aplicativo que promove encontros premeditados para casais. Como a tecnologia tá sofisticada agora, as pessoas conseguem fazer upload da sua própria consciência no aplicativo. O algorítimo então une os casais e consegue prever quanto tempo o relacionamento vai durar. Eles são obrigadas a terminar quando chegar a hora. Um casal se apaixona e quebra o sistema.

O fim da aventura humana na terra

As tecnologias dominaram o ser humano, eliminaram o que há de mais sublime nessa nossa existência e as relações se tornaram frias, calculistas e distantes.

19. The entire story of you (T1E3): o novo normal agora é as pessoas terem um chip no cérebro. Ele permite que você filme e tire fotos com os olhos. Essas imagens podem ser vistas e revistas sempre que quisermos. Elas também podem ser projetadas na TV mais próxima. É como se substituíssemos nossa memória pela galeria de fotos do celular. Legal, né? Agora, imagina você em uma briga de casal em que há desconfiança de traição. A pessoa te pede pra mostrar as imagens (memórias) de um dia específico. Se realmente estivesse escondendo algo, você mostraria? Qual o limite para invadirmos a privacidade de alguém?

20. White Christmas (T2E4): essa tecnologia do chip no cérebro vai além de simplesmente ser um substituto da nossa memória. Imagina que você brigou com uma pessoa e não quer mais falar com ela. Se fosse hoje, você a bloquearia nas suas redes sociais e whatsapp. No mundo do chip no cérebro, você bloqueia ela na sua mente. Se ela aparece na sua frente, você não vê, nem ouve o que ela tá falando. Assim como ela também não consegue nem te ver, nem te ouvir. Essa dinâmica é estendida também para pessoas que cometeram crimes: elas podem continuar vivendo em sociedade, mas ninguém as veem, nem as ouvem. Elas são apagadas do convívio social. Continuam presas, mas fora das grades.

21. Man against fire (T3E5): falando em apagar pessoas da sociedade, tá aqui um episódio que serve uma crítica social de prato cheio. Aqui, também temos o chip no cérebro, mas dessa vez ele tá sendo usado nos soldados do exército. Há uma situação social complicada que no episódio eles chamam de crockroaches (baratas, em inglês): na teoria, seriam pessoas que nasceram com uma doença infectuosa que desfigura o rosto. Eles vivem marginalizados. A função do exército é exterminar essas pessoas, uma vez que elas podem infectar outras e disseminar ainda mais a doença. Na prática, o chip no cérebro dos soldados faz com que eles vejam pessoas normais como desfiguradas e a história da doença é mentira. O exército está, então, matando pessoas pobres e marginalizadas (chacina do jacarezinho, oi?).

22. Black museum (T4E6): é um museu que conta a história de todas essas tecnologias. Nele, estão expostos alguns itens que vimos nos outros episódios. E, como não podia faltar o sadismo básico dos personagens de Black Mirror, o dono do museu criou uma representação gráfica de um prisioneiro à partir da sua consciência virtual para que os visitantes apliquem os choques da cadeira elétrica, levando para casa um souvenir: um chaveiro com a expressão de dor e horror do prisioneiro.

O apocalipse

Demos asa a cobra e agora ela mata a gente.

23. Metalhead (T4E5): aparentemente, o mundo foi tomado pela inteligência artificial e suas máquinas, onde os humanos parecem lutar pela sobrevivência a qualquer custo. Pra ajudar a criar um ar apocalíptico, o episódio inteiro é em preto e branco e tem poucos diálogos.

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Carolina Gancev

Eu tenho o dom da escrita e deveria escrever uma tese de mestrado ou um livro, mas tenho preguiça. Então escrevo aqui.